A cada ano, no dia 19 de dezembro, na praça do Campo Grande, em Salvador, Bahia, o evento "Você e a Paz". Liderado pelo líder "espírita" Divaldo Franco, o evento, que pretende ser um "ativismo" em prol do que os religiosos chamam de "paz" na Terra, na verdade nunca passou de uma culto ecumênico em que o suposto médium, junto com representantes de outras religiões cristãs, realizam uma espécie de missa ao ar livre para dar início aos festejos natalinos.
É um evento inócuo que a cada ano perde público, sendo assistido, como objeto de curiosidade, pelos frequentadores das praças em que ocorrem as mesmas. No último dia 09 de setembro, foi a ocorrência da terceira edição na capital paulista e contou com um convidado ilustre: o próprio prefeito de São Paulo, que usou o evento para divulgar seu "projeto filantrópico": a controversa farinata, feita com restos de alimento.
É uma forma recíproca de promoção pessoal, em que tanto o prefeito (um "não-político" com imagem abalada por escândalos) quanto o médium (maior liderança de uma seita que a cada dia perde seguidores por não conseguir explicar suas contradições) lutam para preservar seu prestígio diante da opinião pública. A união dois dois criou uma desastrada simbiose que na verdade serviu para arruinar ainda mais as já destroçadas imagens de ambos.
O evento "Você e a Paz" nada tem de ativismo. Ele foi construído com base na noção vaga do que seria "paz", uma linda palavra de carga semântica agradável que no fundo ninguém sabe do que se trata. A observar a realidade de tudo que nos rodeia, "paz" seria uma situação onde o rico fica na dele, com seus excessos e o pobre suportando sua dor, gemendo sem ser ouvido, isolado em sua periferia. Cada um em seu cando, sem mexer com o destino do outro.
O fim da "paz" seria uma situação onde o pobre, cansado de sofrer, se irrita e de forma agressiva, passa a ameaçar a ganância dos que estão bem. Para calar a boca dos pobres, foi criada a forma de caridade apoiada por Divaldo Franco, que não mexe nos interesses dos ricos, mas cria meios que façam com que os pobres suportem a sua situação inferior, como um osso que serve para que o cão pare de latir. Lembrando disso, é interessante a analogia entre a farinata e a comida para cachorro.
A caridade "espírita" - muito diferente da revolução social proposta por Allan Kardec, mero objeto de bajulação dos "espíritas" brasileiros - é paliativa, precária e não consegue dar dignidade ao poro pobre, além de servir de mero meio de promoção para as lideranças "espíritas" como Divaldo Franco, o maior beneficiado da caridade que alega praticar.
Trocando em miúdos, o "Você e a Paz", como parte integrante dessa caridade paliativa, é uma farsa. Não é uma campanha de ativismo pela instalação da verdadeira paz no planeta, pois não consegue resolver os problemas básicos - as desigualdades sociais resultantes da ganância capitalista - que impedem a instauração de situações que garantam esta paz.
O "Você e a Paz" é um engodo para entreter as massas e fazê-las fugir da realidade estimulando um otimismo igrejeiro que as faça pensar em algum altruísmo que há mais de 100 anos nunca conseguiu melhorar a realidade brasileira de forma eficiente.
Se Divaldo espera a perfeição oferecendo formas frouxas de caridade, ele, da fato um mau espírita, se enganou direitinho. Junto com Dória e a farinata, vão todos rolar ribanceira abaixo, com a reputação destruída por não conseguir transformar a sociedade no nível recomendado pela doutrina original.