Uma das coisas que nunca concordei, mesmo na minha fase de fé cega é a cruel reprovação que o "Espiritismo" dá ao suicídio. Ao invés de encarar o ato infeliz como uma atitude desesperada de quem tentou resolver algum problema grave e não conseguiu, os "espíritas" tratam como um crime hediondo e um ato de insubmissão ao velhinho de barba que eles chamam de "Deus".
É uma falta de respeito com os suicidas. O "Espiritismo" transformado no Brasil em mais uma seita de fé cega, como tantas outras, possui muitas contradições. Falam em bondade com insistência, mas não praticam a bondade que se esperaria deles. Desrespeitar o suicida é como um senhor que acorrenta o seu escravo e o obriga a viver acorrentado sem o direito de encerrar o seu sofrimento ou a sua vida infeliz.
Para os "espíritas" é muito fácil condenar o suicida. Não exige nenhum esforço em julgar e condenar equivocadamente alguém que faz o que não queremos que seja feito. O sofredor que se vire para viver com dor. E há um lado sádico que é bom lembrar bem, que reforça a incompreensão que os "espíritas" tem do suicida.
Apesar de associado a Allan Kardec, o "Espiritismo" brasileiro aproveitou quase nada da codificação original. Ela foi totalmente remodelada do Catolicismo Medieval, com algumas alterações e reforçada com o surgimento de um líder católico, Chico Xavier, que sistematizou e consagrou a forma igrejeira baseada no mais retrógrado Catolicismo de que nem os católicos querem saber mais.
Xavier era entusiasta e difusor da medieval e cruel Teologia do Sofrimento, que defendia que o sofrimento em si (não a tentativa de sair dele) aceleraria a evolução humana. O que a lógica prova ser, além de impossível, exatamente o contrário.
Fatos comprovam que a prisão em um sofrimento que nunca termina, acaba piorando a pessoa, estimulando o medo, o ódio, a violência, a loucura e a insensatez. Como isso pode significar a evolução? Se evolui desenvolvendo defeitos e eliminando qualidades? Como assim?
Com base na Teologia do Sofrimento, o "Espiritismo" brasileiro a adaptou e vive adiando a felicidade e o bem estar para a vida espiritual ou para reencarnações posteriores. Segundo a teologia, a felicidade nunca faz parte do presente. Se alguém diz que você será feliz amanhã e esse amanhã chega, o bem estar é adiado e será adiado quantas vezes for necessário para que a felicidade nunca chegue no momento presente. É uma teologia cruel, mas base do Catolicismo Medieval e do Catolicismo enrustido em que se transformou o "Espiritismo" brasileiro.
Não é surpresa nenhuma ver uma doutrina sádica condenar o suicídio, ao invés de se esforçar para procurar uma solução que faça o suicida em potencial desistir de se matar. Procurar soluções exige esforço, conversas longas, racionalidade profunda, abnegação de prazeres e convicções, além de nos obriga a negociar com pessoas que não estão a fim de negociar. É trabalhoso.
Portanto, para preguiçosos intelectuais (apesar de condenar a preguiça, religiosos são preguiçosos intelectuais), é mais cômodo apontar os dedos e condenar o sofredor para que ele escolha entre a punição da morte suicida e o sofrimento da vida material, colocando-o num beco sem saída que rapidamente se converte em um terrível pesadelo.
As religiões aos poucos vão tirando sua capa de falsa bondade. A bondade não é a missão de quem trabalha com fantasias e contradições. o "Espiritismo" brasileiro, convertido em uma igreja igual as outras, segue o mesmo caminho das fantasias e contradições, perdendo a sua credibilidade e nunca servindo de horizonte para os que sofrem.
Pois sofredores, ao contar com esse "Espiritismo" de araque, verão seu direito a felicidade ser adiado muitas vezes, para descobrir depois que a doutrina é uma filosofia sádica que acredita que gemidos de dores são o canto da prosperidade. E dá para evitar o suicídio desta maneira? Não dá!